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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Muito mais que desenvolvimento

Imagine um lugar campeão em desperdício de alimentos, muitas vezes causado pelas precárias con-dições de logística, que encarecem tais recursos e os danificam, desde os processos de produção, colhei-ta, transporte, distribuição e venda até o consumo, enquanto, por outro lado, uma parte de sua popula-ção passa fome.
Imagine um lugar em que a diversidade cultural, ambiental, étnica, linguística, alimentar, é tamanha, que mais pa-recem existir várias nações dentro de um único Estado-nação.

Imagine um lugar que, nos anos 1930, tinha 70% de sua população (cerca de 40 milhões de pessoas) vivendo em áreas rurais; e, em 2010, chegou a quase 200 milhões de pessoas, das quais mais de 80% vivem em áreas urbanas, extremamente deficitárias de infraestrutura básica.

Imagine um país em que a participação regional na geração das riquezas produzidas era supercon-centrada e, em 2006, segundo o órgão oficial de pesquisa e estatística, tinha dois diferentes extremos: o eixo sul-sudeste detendo 73,1% do PIB e o eixo centro-noroeste-nordeste-norte com apenas 26,9%. E, o que é pior, a maior parte das vagas para a quali-ficação profissional capaz de reverter tal quadro estava concentrada justamente nas regiões mais prósperas, enquanto as menos prósperas acumulavam índices coloniais em termos de educação profissional. Consequentemente, restavam-lhes empregos de baixo valor agregado que os obrigava a permanecer na singela e excluída condição de vida.

Imagine um lugar em que o mosaico de tendências político-partidárias, que tenta representar toda es-sa diversidade, torna tão frágil a sintonia de planejamento e de objetivos comuns a serem defendidos pelos seus governos que, frequentemente, mais atrapalha que ajuda.
Imagine um lugar em que é possível escolher o presidente, o governador e o prefeito de um lado, e os legisladores que vão confrontar suas ações e aprová-las ou não, de outro lado. E que, para poder formar coalizões que deem condições mínimas de sustentar a governabilidade seja preciso distribuir benefícios de poder a fim de atender à barganha dos próprios “aliados”. Imagine, portanto, que nesse lugar os poderes republicanos se relacionam entre si a partir do compadrio, da troca de favores, do toma lá dá cá.
Pois bem, esse lugar existe e chama-se Brasil.

O outro lado

Mas, apesar de todas essas realidades, muitas conquistas já foram alcançadas por essa jovem demo-cracia. Pense na invenção do orçamento participativo, que permitiu que representações de todas as esfe-ras sociais negociassem juntas as prioridades para o investimento público, sobretudo em âmbito muni-cipal. Ou ainda, nas leis de iniciativa popular tais como a recém-aprovada Lei da Ficha Limpa, ou mesmo a Lei Número 9.840 de 1999, que passou a punir crimes eleitorais.
Pense, no âmbito econômico, na ampliação do comércio exterior e na crescente importância da parti-cipação brasi-leira no plano global. Além do mais, pense no aumento das reservas financeiras que ga-rante a soberania ou mesmo o fortalecimento de nossa moeda. Pense que o Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico e Social (BNDES) tornou-se o maior agente financiador de projetos de desen-volvimento no mundo, superando o orçamento do Banco Mundial em três vezes, e somando investi-mentos da ordem de R$ 986 bilhões, entre 2006 e 2009.

Pense na chegada recente de milhões de brasileiros ao mercado de consumo, a partir das melhorias¬ nos níveis de renda, da condição de pleno emprego e da existência de programas assistenciais compen-satórios.
Pense na tímida, mas iniciada, descentralização regional do ensino profissionalizante, atraída pela dispersão de investimentos estruturadores no interior do país, bem como na criação de novas universi-dades públicas, vocacionadas a promover a integração com os países latino-americanos, a exemplo da Unila, de Foz do Iguaçu (PR), e com a comunidade luso-afro-brasileira, por meio da Unilab de Redenção (CE).

Pense na riqueza cultural, musical e natural dessa terra, que não se presta apenas ao conformismo da exploração turística, mas também ao desenvolvimento de uma pujante indústria criativa, que produza e exporte cultura, lazer, arte, música, cinema, entretenimento, modos de vida, para todo o mundo. Pense, pois, na enorme riqueza da diversidade regional e ambiental do país.
Apesar dos gargalos históricos do Brasil, em pouquíssimo tempo ocorreu uma guinada substancial na autoestima nacional e nas perspectivas de longo prazo que se abriram para ele. Isso tudo num con-texto de extremo pessimismo internacional, decorrente da crise financeira de 2008, da recessão e desa-quecimento das maiores economias, do descrédito com a política em sociedades extremamente indivi-dualistas, do surgimento de uma nova ordem internacional em que os países emergentes se apresentam como importantes agentes político-econômicos, entre tantas outras transformações.

Nossas próprias amarras

O que mais impede o desenvolvimento nacional, hoje, já não são as amarras históricas da dependên-cia entre desenvolvidos e subdesenvolvidos. O entrave para irmos adiante somos nós mesmos e nossas próprias amarras. O grande fardo carregado pela sociedade brasileira é a sempre urgente e negligencia-da cultura de reformas, muitas delas básicas, adiadas por tantas décadas.
Uma reforma urbana, que dê conta dos enormes desafios estruturais existentes em nossas cidades, a exemplo do déficit habitacional. Desde o acesso à água potável de qualidade até o saneamento básico, além dos ajustes necessários para superar o colapso dos serviços de transporte coletivo e os gargalos da mobilidade urbana, decorrentes da massificação do acesso aos automóveis e às motocicletas na última década.
Uma reforma tributária, que não alimente as distorções entre os entes da Federação, que não reduza poder de compra do cidadão assalariado, que não estabeleça tributos que incidam sobre tributos e au-mentem exponencialmente a arrecadação do Estado; tudo isso em detrimento da formação de poupança popular, de melhorias das condições de alimentação, habitação, culturais e educacionais de nossa gente.

Uma reforma política, que permita ao país organizar-se política e administrativamente, modernizan-do a gestão pública, melhorando os mecanismos de controle social das ações dos poderes republicanos, e que corrija distorções no sistema que estimula corrupção para garantir coalizão. Uma reforma que permita que nosso sistema democrático, sobretudo o mais ligado à questão eleitoral, não seja refém de um sistema de financiamento de campanhas milionárias, no qual os mandatos ficam comprometidos em retribuir a “generosidade” dos doadores e financiadores privados, o que implica em ônus maior para licitações futuras, para o custeio de obras, espaço para desvios e permanente atendimento diferenciado “às bases”. Uma reforma política, enfim, que garanta a governabilidade aos grupos políticos que ven-çam as eleições, mas que também conceda espaço digno de fiscalização e de controle àqueles que per-derem essas mesmas eleições. Uma reforma que traga em seu bojo as mudanças recentes das expectati-vas populares, não mais restritas à possibilidade da participação cidadã, mas, principalmente, preocupa-das com a qualidade dessa participação, que clama por transparência, que defende a formação de novas lideranças e a gestação de brasileiros comprometidos com seu povo e com o futuro da humanidade.

Afinal, que papel  nosso país ocupará no cenário global ao se tornar potência econômica, como já es-tá acontecendo, senão o de ser a prova real de que é possível estabelecer uma sociedade em que se pra-tica a unidade de propósitos, apesar da diversidade entre seus componentes? Uma prova de que é possível experimentar igualdade de oportunidades na pluralidade de talentos oriundos de condições equâni-mes de vida; que é possível vivenciar a liberdade de modo a incluir o outro e não a sobrepor-se a ele; que é possível ter uma cultura universal de fraternidade política, baseada no diálogo entre as diferenças e na convicção de que cada indivíduo ou partido alcança a sua plenitude à medida que está em função do outro.

A atual presidenta do Brasil não enfrentará só o desafio de ser a primeira mulher a dirigir o país. Ela precisa realizar os ajustes necessários para erradicar a pobreza, corrigindo distorções que interessam ser perpetuadas apenas por uma minoria. A presidenta precisa favorecer o acesso não só ao bem-estar que a modernidade proporciona às nações que atingem o título de desenvolvidas – até porque isso não garan-tiria a felicidade à nação brasileira – como também gerar um ambiente institucional em que o Estado se profissionalize e melhore a eficiência de seus serviços atendendo a todos, sobretudo aos mais necessita-dos.
Isso propiciará um ambiente cultural capaz de levar o nosso povo a cumprir papel histórico soberano junto à comunidade global, de modo a contribuir para uma convivência que possa ser sustentada e tole-rada entre a diversidade inesgotável dos cidadãos.

Não nos basta, pois, atingir o desenvolvimento. É preciso viabilizar também a missão multicultural da civilização brasileira na História. Não podemos nos omitir. É preciso estar preparados para assumir os riscos e os custos de sair da inércia. Estamos mesmo nos preparando para isso?

 Autor = Marconi Aurélio e Silva
Fonte = www.cidadenova.org.br

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